30.5.07

Campus Lázaro... Santo?


Quando entro na faculdade de Filosofia e ciências humanas da Ufba sinto uma tremenda angustia, porque já me perguntaram qual o perfil dos alunos de São Lázaro. Posso dizer que realmente não sei qual é a de São Lázaro. É serio! Lá podemos encontrar todo tipo de figurinhas que freqüentam, estudam e perambulam. Ao entrar no campus mais desfigurado da Ufba podemos nos deparar com todo tipo de personagens (o próprio ambiente do campus já é curioso).

Há o tipo hippies pós-modernos - aqueles que celebram a cannabis e vestem roupas de grife, se dizem contra a tecnologia e seus absurdos e ao mesmo tempo usam celulares e andam de carro poluindo tudo.

Tem os últimos dos bolcheviques, que acham que podem derrotar tudo e todos apenas gritando velhas frases de protesto, são os últimos seguidores de Che Guevara, falam de China mas não falam dos baixos salários dos trabalhadores, falam da educação porém não falam que todo estudante devem trabalhar nos campos de arroz por dois anos não remunerados, estes realmente só vêm o que querem ver.

Os “tô nem aí”, estes não fazem realmente nada mais daquilo que a universidade oferece, olham sempre para o alto, nada os comove, nada os incomoda, só interessa boas médias e terminar o curso no tempo certo para arrumar algum emprego no serviço público.

Há também os “cult”. Estes são curiosos, fazem da sua própria forma de ser seu cartão de visitas, garantem sempre um lugarzinho nos cinemas onde apresentam filmes estranhos e sem sentido algum, são filmes da Coréia, filmes do Ceilão e até de lugares que não ouso mencionar seu nome de tão difícil (obsceno) é a pronúncia. Andar com eles é poder aprender todos os tipos de clichês sobre arte e cultura. Estes sempre estão falando das maravilhas dos filmes noir francês, da perspectiva politizada de Godard, do vanguardismo de Hitchcock. Estão sempre enterrados nos banquinhos de peças teatrais, com mão no queixo dando ar de intelectual, assistindo peças sem graça, e saindo como se tivessem entendido tudo do espetáculo.

São Lázaro é mesmo uma curiosa representação da multiplicidade cultural do estado. Não posso me encaixar num destes, sou péssimo aluno (médias sempre medíocres, diga se de passagem!), talvez possa me encaixar nos que tentam mas não consegue se encaixar. Enfim se querem conhecer o lugar da UFBa mais desorganizado, sujo, estranho (mas com a melhor vista!), podem ir para o campus de São Lázaro, lá tem de tudo, menos santo!

18.5.07

Super Heróis Gays


Os quadrinhos sempre foram polêmicos em se tratando de personagens de orientação não-hétero. Na maioria das revistas, principalmente as dos universos Marvel e DC, que são as mais vendidas, só existiram heterossexuais durante muito tempo. Na década de 50, o “psicólogo” Frederick Wertham escreveu o relatório A Sedução dos Inocentes, que teve consequências desastrosas.

Nessa obra ele mostrava todos os supostos danos que os quadrinhos provocavam nos jovens. Todos os medos do americano médio da época estavam lá. Além de incentivar o comunismo, a maioria dos heróis eram maus exemplos por incentivar condutas sexuais questionáveis. A Mulher-Maravilha vinha de um país só de mulheres, enquanto Batman e Robin eram chegados demais...

O relatório foi levado ao Senado americano, que discutiu o assunto. Para evitar a falência, as empresas de quadrinhos criaram um código de censura interno que, dentre outras conseqüências, matou o menino-prodígio. Apesar das alegações de Wertham serem em sua maior parte infundadas, o código ajudou a manter os heróis dentro do armário.

Cinqüenta anos depois, a situação vem mudando. O segundo número da revista Mundo Super Heróis (Editora Europa, 10/2006, r$9,90) traz uma matéria de duas páginas sobre super heróis gays. O autor usa o termo genericamente, pois também traz alguns heróis bissexuais e heroínas lésbicas. Talvez até pan, considerando o alienígena Starman.

Entre os mais famosos temos John Contastine, que se declarou bissexual na edição 51 da revista Hellblazer. Na conservadora Marvel, a revista Jovens Vingadores, ainda em seus primeiros números, é a primeira a trazer dois protagonistas gays em relação estável. Os adolescentes Billy Kaplan e Teddy Altman são os heróis Wiccan e Hulkling, possíveis substitutos de Thor e Hulk.

A revista pode ser comprada aqui. Também visite o fórum de discussão F.A.R.R.A., que tem um tópico dedicado à revista aqui.

"I'm Try-Sexual"


Em 1970 David Bowie já possuía alguma fama, principalmente com seu álbum Space Oddity e o misterioso Major Tom da faixa-título. Se o planeta Terra era azul e não havia o que fazer, a prostração não alcançava o espírito polemista de Bowie. Seu álbum seguinte, The Man Who Sold The World seria lançado com uma das capas mais polêmicas da história do rock: sobre um divã azul, segurando cartas de baralho, Bowie posa de vestido azul e longos cabelos dourados. No autoproclamado país da liberdade, os Estados Unidos, o álbum é lançado com uma capa diferente...

Era o prenúncio de um novo estilo de rock and roll que estava sendo criado por Bowie, T-Rex, New York Dolls entre outros. O “exagero” era a palavra chave do glam. Luzes coloridas, cabelos grandes e coloridos, glitter, roupas esvoaçantes ou andróginas e músicas retratando temas tabus na época: drogas, prostituição, homo, bi e transexualidade etc.

Com o álbum Hunky Dory, Bowie introduziu de vez o glam. Hunky é uma gíria para homens musculosos. Na capa, o cantor aparece alisando longos cabelos loiros e novamente de vestido, reforçando a ambigüidade do título. No vinil, a música Queen Bitch é tributo à banda Velvet Underground, fala de uma prostituta; e outra é uma homenagem ao artista gay fundador da Pop Art, Andy Warhol.

No seu álbum mais famoso, o The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, de 1972, o cantor se transveste no alien Ziggy Stardust. Só aparece em público vestido como o marciano andrógino que dá nome ao disco. Foi sua persona mais famosa até hoje, entre as tantas do camaleão do rock.

David Bowie exerceu um papel importante para a liberação sexual na música. Precursor de um estilo musical gay por excelencia, foi um dos primeiros grandes rock stars a assumir publicamente uma sexualidade que não a hétero. Ao contrário dos travestidos New York Dolls, que afirmavam ser heterossexuais, Bowie revela ser gay em uma entrevista para a revista britânica Melody Maker, ainda em 1972. Anos depois desmente ser bissexual (o cantor se casou duas vezes com mulheres) em outra entrevista: “I’m try-sexual. I’d try anything”.

17.5.07

Macanudo



Macanudo é o nome do mundo das tirinhas criadas pelo artista argentino Liniers. Publicadas no jornal La Nacion, as tirinhas também são disponibilizadas em www.autoliniers.blogspot.com. Quando pus os olhos na primeira tira, foi paixão à primeira vista. Aos poucos, descobri dois diferenciais em relação a outras tiras de que gosto, como Piled Higher and Deeper, Garfield, Dilbert e Mafalda.

O primeiro é a quantidade e peculiaridade de seus personagens. A mais comum é Enriqueta, uma menina que, na companhia de seu urso de pelúcia Madariaga e de um gato de sugestivo nome Fellini, percorre as delícias da infância, liberdade e literatura. Las Verdaderas Aventuras de Liniers é semi auto-biográfico, sobre um coelho antropomórfico quadrinista. Em Lorenzo y Teresita acontecem as pequenas situações cômicas de todo casal. Cosas que, a lo mejor, le pasaron a Picasso traz o pintor espanhol como protagonista brinca com arte e artistas afetados. Algo em torno de duas dúzias de núcleos de personagens ou séries, como Gente que anda por ahí, tiras que giram em torno de peculiaridades humanas. Outro curiosíssimo é o El Misterioso Hombre de Negro. Uma figura enigmática. Misteriosa.

O segundo, e mais fascinante, é a liberdade criativa que Liniers se permite. Além do desenho encantador, o autor sabe do potencial que há naqueles poucos centímetros. Para cada grupo de personagem ou série o autor usa recursos diferentes. Por exemplo, em El Hombre Misterioso de Negro, o requadro é comumente usado como parte do significado. Ocultando algum elemento, geralmente o personagem, o recurso é associado com o “mistério’, que vinha literalmente escrito nas primeiras tiras, e pôde ser dispensado nas seguintes. Em outras ocasiões, o requadro é enfatizado, como na tira de Picasso, que parece estar dentro de molduras. Noutras, o requadro some, mas a disposição dos elementos quase que indica um "requadro invisível". Nas tiras dos duendes e das ovelhas costuma ser usada a quebra da repetição de certos elementos. A forma, textura ou cor de algum dos elementos em relação aos demais, acompanhado ou não de linguagem escrita, é o essencial dessas tiras. Esses são só alguns dos recursos mais óbvios que o quadrinista usa para não se curvar à comodidade da palavra. A riqueza da tira é enorme, e merece ser alvo de uma reflexão profunda e fundamentada. Talvez eu o faça, mas ainda preciso de muita bagagem para ganhar o visto de entrada.