27.6.06

Infâmia pra gringo ver*

Seu Jorge, de cabeça baixa, envergonhado Projetos de releituras de clássicos gravados por bandas de estilos diferentes dos originais estão na moda. O projeto Nouvelle Vague, dos franceses Olivieur Libaux, Marc Collin e cantoras convidadas fizeram versões de músicas de bandas punks e new wave em ritmo de bossa nova. Um exemplo brazuca é o Del Rey, projeto paralelo de dois membros do Mombojó, tocando clássicos do “Rei” Roberto Carlos no estilo característico da banda pernambucana.
O álbum The Life Aquatic Studio Sessions do Seu Jorge é fruto do trabalho do cantor na trilha sonora do filme A Vida Aquática de Steve Zissou (The Life Aquatic with Steve Zissou). O álbum de 14 faixas tem 13 versões de clássicos de David Bowie e uma música original escrita por Seu Jorge, chamada Team Zissou.
As músicas vieram de quatro dos oito primeiros discos do inglês, principalmente da fase glam rock de The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars e Hunky Dory. Devemos lembrar aqui que David Bowie era um artista no sentido estrito do termo. Seus discos eram conceituais, da arte gráfica às letras e ao seu figurino. Durante a fase de Ziggy Stardust, Bowie só dava entrevistas encarnando o personagem-título. O disco Diamond Dogs foi inspirado no livro 1984, de George Orwell, e possui uma unidade que se refere à leitura de Bowie do livro.
O álbum tinha tudo para ser tão eficiente quando projeto Nouvelle Vague ou irreverente quanto o Del Rey: boa publicidade pelo envolvimento com o filme, a fama crescente de Seu Jorge no Brasil e a qualidade das músicas de Bowie. Mas o brasileiro errou em um ponto crucial. Ele tinha algumas opções evidentes. Adaptar as músicas de Bowie para seu ritmo e instrumentos, mantendo a melodia e a letra original e/ou ainda arriscar adaptações para o português à altura das originais.
Seu Jorge, que suspeito não ser fã de Bowie, errou do pior jeito possível. A grande maioria das letras das músicas nada tem a ver com as originais. Pelo contrário, é constrangedor ouvir a versão de Queen Bitch: “Tenho uma proposta indecorosa / Quero que você venha comigo nega, pra você ver / Um lugar super interessante pra gente crescer”. Mas o pior caso é o da adaptação de Quicksand. Os seguintes trechos

“Don't believe in yourself
Don't deceive with belief
Knowledge comes with death's release”

se transformam, na versão de Seu Jorge, nos profundos versos:

“Deu formiga no mel
Marimbondo e cupim
O quê que eu vou fazer de mim?”

A única versão vagamente apropriada é a de Rock ‘n’ Roll Suicide. Apesar de ser rasa em comparação à letra original, ao menos mantêm a idéia original.
Enfim, o álbum pode ser ouvido como curiosidade. É sempre interessante ouvir versões de músicas conhecidas, em ritmo diferente. Para os americanos que não saibam português, pode ser um ótimo álbum exótico. Para os fãs de Seu Jorge que nunca ouviram ou não apreciem David Bowie, pode ser agradável. Para qualquer pessoa que já ouviu Bowie conscientemente é vergonhoso. Mas, para os fãs do gênio inglês, ouvir o Life Aquatic Studio Sessions é uma experiência traumatizante.

*publicada originalmente no PetShop ( www.petcom.ufba.br/petshop )

1 Comments:

At 8:57 AM, Anonymous Anônimo said...

Se realmente existe crítica construtiva, posso dizer com certeza que você fez o que pôde para amenizar sua crítica com o trabalho de Seu Jorge. Ficou realmente muito bom sua analize.

 

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