Assombração
“Mistura de Alice no País das Maravilhas, Mirror Mask, A Viagem de Chihiro, Silent Hill e horror japonês contemporâneo”: estranha, porém apropriada, definição de um usuário de um fórum de cinema, ao comentar o trailer de Assombração (Gwai Wik), incomum filme tailandês dirigido pelos irmãos Oxide e Danny Pang.
Uma descrição verbal realmente necessitaria dessas comparações. O que me chamou atenção ao filme foi o cartaz: mostra no centro de um campo a protagonista; na base um pesadelo a la Romero, com centenas de “zumbis” em aparente perseguição à figura do centro e o nome do filme (com uma fonte cretina e recorrente da PlayArte, diga-se de passagem); e no topo do cartaz montanhas se desfazem, com os topos levitando... É uma boa metáfora visual para a estrutura do filme, que parece se dividir em três blocos. O primeiro bloco é um horror oriental, o segundo é fantasia de horror e o terceiro um drama que lembra, visual e tematicamente, Sonhos (Yume), de Akira Kurosawa.
Durante os vinte minutos iniciais, somos apresentados à trama – uma escritora, Ting-Yin, em crise criativa e amorosa – e a um horror psicológico oriental tal com os últimos exportados: O Grito, O Chamado etc. Ligações telefônicas misteriosas, televisores que ligam sozinhos, água escorrendo da banheira, vultos com cabelo de metaleiro. Enfim, todos os clichês daquele subgênero. Essa primeira parte do filme parece mais um ensaio. Os diretores usam um recurso já saturado – se é que algum dia foi eficaz, de sincronizar os cortes de planos com sobressaltos da trilha sonora, falsificando (supostos) sustos, sem motivação verdadeira. Exceto por um momento realmente assustador, a tensão é um pouco forjada.
Aos poucos Ting-Yin vai descobrindo que os estranhos acontecimentos têm algo a ver com a produção de seu novo livro de horror. Numa relação de dupla influência, as aparições vão ficando mais freqüentes à medida que Ting-Yin escreve inspirada pelo próprio medo. Superada a crise de escritor, Ting-Yin sai do apartamento (essa seqüência é assustadora de verdade), e descobre que está em outro “mundo”: um cenário desolado, pós-apocalíptico. Corpos começam a cair do céu e três espectros perseguem a protagonista, que parte numa fuga para descobrir o que está acontecendo.
A partir daí, entre sustos e fugas, o deslumbramento pelas composições visuais supera o estranhamento e confusão. Os cenários pelos quais a escritora passa são todos metáforas sobre o abandono: uma floresta de enforcados, montanhas de brinquedos rejeitados e um cemitério de mortos esquecidos, entremeados por cenas naturais que aumentam o contraste entre realidade e fantasia.
Apesar de dar algumas pistas durante a jornada de Ting-Yin, a lógica que rege esse “mundo” fantástico só é revelada nos últimos minutos do filme. Foi uma decisão acertada dos diretores, apesar do risco de que os mais puristas – e apressados - abandonem a sala antes do final da sessão. Mas esse clímax, apesar de reconciliar os altos e baixos do filme, cansa o espectador com explicações demais minuciosas. Isoladamente não seria um defeito, uma vez que, como já disse, serve pra dar a coesão que faltava para o filme. Mas ao ser confrontado com o final, parece longo demais, mas nada que comprometa o resultado final. Não é um filme a ser descartado.
* crítica originalmente publicada em Petshop - a sua ração cultural
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