29.1.07

Aniquilamento do individualismo em Nietzsche

por Nelson L. Rodrigues. Apresentado no I Encontro de Pesquisa da Pós-Graduação de Filosofia da Ufba.


Nietzsche em sua obra Genealogia da Moral (1887) confronta suas idéias com a dos historiadores, psicólogos e intelectuais da época, acusando-lhes de falta de sentido histórico. Ele percebe através de suas analises que, para a formação de uma civilização foi necessário ter desenvolvido uma forma de interiorizar as normas. Foi necessário castigos, punições criados nas guerras e adaptados no protocidadão, (quando as primeiras hordas bárbaras dominaram pequenos grupos nômades e dispersos e incutiu neles mecanismos de castigo, formando neles uma consciência, e assim normas morais a serem respeitadas por todos). Portanto, Nietzsche quer dizer é que as primeiras instituições foram criadas por tribos bárbaras, que ao dominarem povos mais fracos formou-se elites. Estes grupos com o passar do tempo, desde épocas pré-históricas, foram os que erigiram as primeiras formas de contratos sociais. Mas essas primeiras formas de acordo não foram de modo algum muito pacíficas, nem muito razoáveis para os dominados.

Para Nietzsche criar a possibilidade de uma individualidade só foi possível graças a estes castigos físicos e psicológicos, de modo que foi necessário formar no animal homem uma consciência, pois sem esta consciência não poderia colocar a fogo e brasa uma má consciência (mordida na alma). Ou seja, quando o homem não pode exteriorizar seus instintos cruéis, bárbaros e brutais até o limite, a energia psíquica interioriza-se na alma humana, fazendo neste homem uma má consciência, deixando-lhe doente, fraco de vontade, dócio, domesticado, portanto um animal pronto para viver em comunidade, o homem gregário.

Nietzsche identifica que os grandes construtores dessa forma adestrada de animal que promete foi conseguida pelo trabalho de grandes mestres da psicologia humana, o sacerdote. Inaugurando assim as primeiras noções de culpa, dívida, mundo além, paraíso, inferno, pecado, bem e mal. Ao ser forjado no homem, através de formas cruéis de castigo as noções de pecado, culpa, dívida, passou-se também a fazer parte a noção de mundo “real”, paraíso e absolvição, ou seja, de salvação. Ora, quando o homem tem a idéia de que sua vida depende da maneira que deve agir neste mundo em prol de um mundo verdadeiro, toda sua forma de ver a vida muda de perspectiva. Portanto sua individualidade passa a ser um perigo para a civilização, influindo na jurisprudência, como por exemplo a noção jurídica de que o corpo não pertence ao cidadão, mas sim, ao Estado, este detentor do corpo e da alma do homem.

Foi então forjado um animal que pudesse dizer não a vida, aos instintos, a terra, em prol de um “mundo inteligível”, um prometido céu foi necessário ser inventado para expiar um “eterno pecado original”. Este mundo criado pelas elites sacerdotais precisava ser validado para legitimar seu poder sobre a plebe, assim, o sacerdote investiu sobre si a categoria de representante de um ser onipotente, vingador e castigador.

“Precisamente com este poder ele mantém apegado à vida todo o rebanho de malogrados, desgraçados, frustrados, deformados, sofredores de toda espécie, ao colocar-se instintivamente à sua frente como pastor”. ( § 18. GM pg. 124)

Portanto percebe-se que Nietzsche descobre que na história da humanidade as formas de castigo que antes eram utilizadas no inimigo, no estrangeiro, agora passam a ser adaptadas em técnicas do processo civilizador do animal homem.

“ou seja a causa da gênese de uma coisa não é a sua utilidade final, mas há uma força que sempre quer assenhorear e subjugar” .(§ 12. GM, pg.66.)

Para se formar o homem gregário foram necessários séculos de tortura, formas bem especiais de formar no homem uma memória para com isso construir este animal homem, um ser que pudesse prometer e aceitar os contratos sociais. Portanto, para Nietzsche o Estado não foi formado a partir de um acordo de cavalheiros, mas sim formado através da violência. O que quer dizer que a história da sociedade e da cultura foi fruto de lutas de forças, de classes dominantes, de guerreiros bárbaros sobre outros povos em maior número, porém menos fortes, nômades e disformes.

É com a contenção desses instintos que cria-se uma consciência, ou seja, esses instintos primitivos não mais podendo sair do ser humano interiorizam-se, impedindo-o de agir livremente sobre o outro, age sobre si mesmo, tornando o homem um animal doente e fraco.

“Todos os instinto que não se descarregam para fora voltam-se para dentro isso é o que chamo de interiorização do homem: É assim que no homem cresce o que depois se denomina alma”.
(§ 16 GM, pg.73)


É assim o homem na sociedade, um animal doente, compassivo, neurótico, fraco e sem vontade. O que temos ai é uma contradição curiosa. Vemos que foi formada essa doença (má consciência), porém essa doença é uma força é considerada por Nietzsche ativa e produz ideais reativos, imaginosos, portanto sem a má consciência também não haveria civilização, cultura e arte (kunst). Pode se verificar com isso que da violência, da coisa feia e ruim nasce uma coisa boa e bela.

Este homem moderno é para Nietzsche um ser decadente. (entende-se decadente para o filosofo, é tudo que se opõe à vontade de potência, ou seja, decadência é proporcional à falta de agir consciente e individualmente). Por isso, a crítica mordaz a democracia e a modernidade e sua adoração à razão. Estas três realizações, para Nietzsche são criações do animal manso e domesticado que é o homem moderno; portanto, são frutos do homem que se apequenou, apenas um estágio decadente da organização política, o homem democrático. Podemos ver paises como os Estados Unidos da América (antes do evento de 11 de setembro 2001) que por terem um nível alto de domesticação e obediência civil, suas leis e sua liberdade moral são bem mais flexíveis, ao passo que em paises onde suas bases institucionais são mais frágeis, as leis para garantir uma “segurança social” são bens mais rígidas. Nestes casos quando a elite é ameaçada e toda a sua ordem, são necessários acordos entre grupos (forças) para uma estabilização. Até o corpo do “indivíduo”, o cidadão, é vigiado, domesticado a ponto de acostumar se com as novas regras de convívio em sociedade.

“Independência é algo para bem poucos: é prerrogativa dos fortes. E quem procura ser independente sem ter a obrigação disso, ainda que com todo o direito, demonstra que provavelmente é não apenas forte, mas temerário além de qualquer medida.”
(§ 29. pg.36, ABM).


Mas como se deu a forma mais acabada de civilização? Ora, após a revolução industrial, o sujeito, “o individuo” foi forçado a desaparecer das relações sociais em prol de um dividuo, ou seja, um ser dividido entre seus impulsos e sua “consciência”. Percebemos que tanto as formas político-economicas do capitalismo e do comunismo-socialismo têm algo em comum, a aniquilação do individualismo, o sentimento de coletividade próprio do animal de rebanho que quer sempre trabalhar em grupo, logo, o patriotismo, a modéstia, amor ao próximo são idéias modernas, próprios da vida em sociedade, em que não é levado em consideração tudo aquilo do indivíduo. As idéias modernas, então, simbolizam as almas condenadas, ou seja, uma total abnegação do ego. Como se elas tivessem um valor em si mesmas. O que podemos verificar com isso é que o processo civilizatório foi um processo de aniquilamento do individualismo. Este homem coletivo, gregário é um ser doente, fraco e decadente. Como Freud diz em sua obra O mal estar na civilização (1929), há um contraste entre o individuo e seus choques com as exigências da coletividade e com aquilo que a civilização lhe exige. Há então a necessidade de estar inserido num grupo, ordem, padrão, sistema social sem desobedecer a normatização imposta pela sociedade, para que enquanto individuo não seja execrado da comunidade, abolido, expurgado como câncer, como uma perigosa doença, uma ameaça a civilização, a modernidade. A individualidade na sociedade judaico-cristã não só é vista como uma idéia abominável, mas também uma atitude amoral e antieconomica.

Mesmo no capitalismo, o individualismo vai de certa maneira de encontro aos princípios vigentes já que, numa sociedade capitalista há padronização, especialização, centralização e sincronização, portanto nos dá uma idéia de que o homem é uma parte para o funcionamento do todo, e não como uma parte independente, um ser necessário a si mesmo, logo, autônomo. Ele faz parte, então, do processo de funcionamento do sistema capitalista. O que não difere neste ponto do sistema socialista que também abomina ao homem que se “afasta” do outro. O que amarram esses dois sistemas em suas semelhanças é a moral judaico-cristã, tanto o capitalismo quanto o socialismo foram produtos de uma cultura ocidental cristã, com as noções de solidariedade, retidão, obediência, moralmente confiável, não havendo, portanto, um lugar para o homem forte, autônomo e que possa ser senhor de si.

“obriga o individuo, na medida em que é envolvido no sistema de relações de mercado, a se conformar com as regras de ação capitalistas. O fabricante que permanentemente se opuser a estas normas será economicamente eliminado, tão inevitavelmente quanto o trabalhador que não puder ou não quiser adaptar-se a elas será lançado a rua sem trabalho”
(Max Weber. A ética protestante e o espírito capitalista. pg 186 )


Aos poucos a civilização foi tirando do homem àquilo que lhe era mais caro, sua inconstância, sua liberdade, sua força, portanto senhor de inquebrantável vontade. Para criar um animal domesticado (educado, culto), constante, confiável, útil a sociedade. Foi com a moralidade judaico-cristã e suas idéias de civilização construídas ao longo dos séculos com as formas de castigo e crueldades que o homem deixou de ser indivíduo e se tornado um ser social.

O nascimento da civilização se dá a partir então dessa necessidade de criar um homem que pudesse fazer promessas. Os valores, como podemos perceber, estão ligados a história da humanidade que se verificam a grande utilidade do pensamento de Nietzsche não só para a filosofia, mas também, para os estudos sociais, históricos e psicológicos. E os “melhoradores da humanidade” se incubiram se de amansar o animal homem a fim de poder construir um mundo de homens prontos para a cidade. Nada poderia ser formado sem uma, dívida com uma “força superior”, foi nescessário segundo Nietzsche, uma força, uma vontade forte, porém reativa.
Ao contrario, o homem moderno não é individualista, pois este interiorizou tal forma as normas que passaram a ser biológico, como uma herança biológica. (§ 199. ABM).

Como procurei demonstrar, para o Nietzsche foi necessário formar um tipo de animal sui generis, o homem através de formas cruéis de interiorização dos instintos do homem selvagem e independente para se criar uma civilização, e esse processo deu lugar a um homem, com valores morais novos, sem o individualismo de outrora. Para Nietzsche a vontade de poder é o mais importante instinto, uma força plástica (dá forma, esculpi o verdadeiro “Eu animal”) O individualismo foi aos poucos sendo minado, por uma serie de métodos selvagens. De qualquer fora, formar uma sociedade é antes criar um homem gregário, dependente do outro, adestrar, para isso as normas é uma maneira de preservar seu adestramento.


Bibliografia:

NIETZSCHE, Wilhelm Friedrich. Genealogia da moral, uma polêmica. Tradução e notas de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das letras, 1998.

NIETZSCHE, Wilhelm Friedrich. Além do bem e do mal, prelúdio a uma filosofia do futuro. Tradução e notas de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das letras, 2ªed, 1992.

FREUD, Sigmund. Seleção de textos de Jaime Salomão. Tradução de José Octávio de Aguiar Abreu. São Paulo: Os pensadores. Abril cultural, 1978.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito capitalista. Seleção de Maurício Tragtenberg. Tradução de M. Irene de Q.F. Szmrecsànyi e Tamás J.M.K. Szmrecsànyi, 2ªed. São Paulo: Os pensadores. Abril cultural, 1980.

18.1.07

O Patafísico


Não sou um fim
Nem muito menos um começo
Sou saborosamente um processo
Um monte de erros e acertos
Um Zeraduscht aos avessos.

Mulheres chamam-me de inútil
Não sou inútil
Sou apenas a ciência das soluções
imaginárias
Como um Júpiter que tenta justificar
hipóteses absurdas
Como um Queneau
Um Rodin.

Meu jeito de ser demonstra meu caráter
original e heróico
Não desejo ser o preferido
Nem culpo ninguém
Mas sou a mirra para embalsamar
os mortos.