26.4.06

Fila da P&%$!

Beatles - Abbey Road
Ouvi dizer que a paciência é uma virtude divina. Bem, duvido muito que os deuses precisam pagar contas. Além disso, eles têm uma eternidade mais mil anos para ter paciência. Coisa que não tenho pretensão de ser é um deus. E pagar contas é uma ação divinizadora ou enlouquecedora. E é aqui numa fila que aprendi isso.
Essa senhora não pára de reclamar. Uma coisa é curiosa e que observei, é que quando uma pessoa numa fila começa a reclamar, as outras também começa. Enquanto não aparece o primeiro indignado, ninguém diz um pio! Aguardam um líder, um mártir, assim podem exigir e não sentirem-se culpados por criar alguma “revolta”. Mesmo porque o brasileiro adora uma fila! No país cultua-se uma tradição de ter fila para tudo, desde o império. Poderíamos até exportar isso. Seria bacana, poderíamos exportar para a Escócia. Imagina aqueles escoceses em fila duas horas e vestidos com aqueles charmosos kilts. Creio que nem na recessão americana de 29 se via tanta fila. Além disso, temos uma enorme variedade. É fila pro cinema, no ponto de ônibus, banheiro público, fila para pegar livro na biblioteca - a minha preferida -, no restaurante para encontrar uma mesa, fila no elevador, a clássico no país: fila em posto de saúde, no supermercado, em central de atendimento, devido ao tipo de burocracia que herdamos dos portugueses: tudo no Brasil tem que ter bicha. É bem mais econômico também, pois é mais fácil criar uma fila do que criar mais postos de saúde e escolas. Às vezes, dá até pra ler um livro inteiro, quando não se é perturbado por um recém-chegado à via crucis, para informar-se: como se eu soubesse os serviços do banco só por estar na fila. Três horas. As pernas bambeiam, as pessoas procuram um lugar para encostar-se. Diabos de fila!
Depois desse tempo todo, finalmente chego ao balcão do caixa. Todo o sacrifício vai acabar. Estiquei minha mão com as contas àquela desconhecida junto com o montante.
A mulher tira seus olhos do monitor do computador e, com um sorriso sem graça, diz pra mim:
- Desculpe-me senhor, mas essas contas só podem ser pagas naquela outra fila.

15.4.06

Admirável Mundo Feliz

Num inferno de assombradas bandeiras
Séculos de luzes
E o dedo de deus na ferida dos mortos
Cabeças na capela
Ó grande Parcas
Onde estarão os heróis
Há vivos demais nos campos!
Há odes demais nas línguas mortas
Não há mais vinho nos copos dos visionários
Somente reis felizes
No mundo feliz
O mundo sacode suas pulgas no mediterrâneo
A vítima grita na escuridão das ruas
A terra treme com ogivas
Bocas caladas de sofrer
E não há mais
Um minuto sequer

Nelson Lopes Rodrigues